domingo, junho 15, 2008

Uma Casa no Fim do Mundo


[...] Vinham do México profundo, onde se coziam pães em forma de caveiras e Virgens e onde o fogo de artifício era considerado a mais elevada forma de expressão artística. O espectáculo começou antes do aparecimento da primeira estrela.
[...] Nada de especial. Depois ao fim de uma pausa começaram a sério. Um foguete subiu a direito no espaço, arrastando um fio de luz prateada e florescendo purpúreo no final do arco, um lírio incandescente de cinco pontas, cada uma das pétalas rebentando numa nova flor. A multidão arrulhou de satisfação. O pai pousou a mão enorme e castanha na minha barriga e perguntou-me se estava a gostar. Fiz que sim com a cabeça.
[...] Novos lírios explodiram, vermelhos, amarelos e cor de malva, de longos caules prateados. Depois vieram as serpentes, cuspindo chamas alaranjadas, doze de cada vez, grandes curvas ondulantes, que se entrelaçavam e separavam, silvando sem parar. Seguiam-se enormes flocos de neve silenciosos, corpos cristalinos do mais puro branco, e depois uma constelação na forma da Estátua da Liberdade, de olhos azuis e lábios de rubi. Lembro-me do pescoço do meu pai, as pregas soltas da pele revestindo o grande mecanismo bojudo que lhe subia e descia na garganta, enquanto engolia a cerveja. Sempre que eu estremecia com uma detonação mais violenta ou uma dispersão de brasas coloridas que pareciam cair directamente sobre nós, o pai tranquilizava-me, garantindo-me que nada tinha a temer. Sentia no estômago e nas pernas a vibração daquela voz . Os braços esguios do meu pai, indolentemente bissectados por uma única veia, mantinham-me firme no meu lugar.
Quero falar sobre a beleza do meu pai. Bem sei que não é um tema habitual para um homem - quando falamos dos nossos pais o mais provável é que contemos histórias de coragem ou fúria colossal, ou mesmo de ternura. Mas eu quero falar sobre a simples, intacta beleza do meu pai: a poderosa simetria dos seus braços, loiros e ágeis, como se tivessem sido esculpidos em madeira crua; a suave, cadenciada graciosidade dos seus movimentos. Era um homem compacto, fisicamente digno; o proprietário de uma sala de cinema tranquilamente apaixonado pelos filmes.[...]
Michael Cunningham/Uma Casa no Fim do Mundo
«Iluminado pelos encantamentos e ansiedades que tornam a infância misteriosa [...] Uma Casa no Fim do Mundo é uma obra notável.» Laura Frost, San Francisco Reviw
(uma sugestão para levar na sua bagagem de férias)...

2 comentários:

Anónimo disse...

Deve ser um livro muito interessante!

Jelicopedres disse...

Olhei para "ele" a sério, ontem Carolina!
Decidi confirmar a crítica positiva que lhe é atribuída.
Estou a ler..........