"Quem perde a esperança foge. Quem perde a confiança esconde-se. E ele queria as duas coisas: fugir e esconder-se." (Do livro "Jesusalém de Mia Couto)
*
Acabou de ler a frase. Pousou o livro, apoiou o cotovelo na mesa, coçou o queixo e sorriu com ironia.
Assentava-lhe bem aquela frase. Parecia até dirigida a si próprio e à sua vida.
Que vida, afinal?
Não queria pensar. Com uma estranha indolência, correu a persiana da janela e fechou as cortinas. Colocou uma das suas músicas preferidas a tocar, recostou-se no sofá, pôs os auscultadores nos ouvidos e ficou ali, "escondido", tentando esgotar por completo o seu tempo.
- Que tempo?
- O seu tempo!
- Porque o outro, o tempo dos outros, estava lá fora. Fora daquela sala, transformada instantâneamente no seu refúgio, para onde podia sempre viajar, deixando as malas e os roteiros turísticos do outro lado da vida, que não a sua.
Ali, prosseguia Bach, «Concerto nº3 em Sol Maior».
Através de uma luz ténue, vinda do aquário ao canto da sala, vislumbrava uma dança infindável, interpretada por peixes cor-de-laranja que o habitavam, como se do mar se tratasse.
Embora esse espaço lhe parecesse exíguo, era na verdade, suficiente para eles pensava, enquanto que - o seu espaço - que era só dele, lhe proporcionava o perfeito esconderijo e a fuga de si próprio.
Sem qualquer força anímica que o despertasse pois limitava-se apenas a ouvir a música, disse de si para si: quero ficar; não ver o tempo passar; esconder-me e fugir para dentro de mim...
*
"Escritas de Verão" (partilhadas)
Texto/Carolina e Teresinha - fotografia/Teresinha (Oceanário de Lisboa)
15 comentários:
Um belo texto. Não há dúvida, nascemos para ser escritoras!...(Modéstia, é o que não falta!...)
Esta nossa ideia de Verão, de partilharmos a escrita, dando origem a estórias, resultou.
Venham mais!
;)
Também achei muito interessante esta tua ideia Carolina.
O tempo disponível não é muito mas sempre se arranja um bocadinho...
Também gosto deste texto.
Saiu bem.
Até ao próximo, então.
Bjs.
Bem, convém esclarecer, aos leitores, que a parte que me cabe neste texto é apenas a citação inicial do Mia Couto. Todo o inspirado desenvolvimento que se segue é da Teresinha.
; )
Coisas bonitas que esta ".ente" escreve.Quero partilhar nas escritas de Outono, está bem?
Bjs da Céu
Estou na tua aula por isso peço desculpa...e arranja-me um teclado que escreva as letras todas...
"A Fuga"
Fantástico!Como me identifico com ela...Poderia perfeitamente ter sido escrita por mim,(se tivesse geito,é claro)
Gostei muito deste excerto,é de quem?
Bjs
Tens toda a razão, Céu!
E, que pena ainda há pouco dei um teclado novo a estrear porque não precisava dele.
Já falaste tarde...
Quanto às "Escritas de Outono, começa quando quiseres e passa à Carolina ou para mim se quiseres.
Já tenho um começado.
Bjs.
:))
Belo este conto! Tema muito bem agarrado e desenvolvido! Como eu gostaria de puder fazer assim, e fugir de vez em quando para o meu mundo! Embora goste de saber que também pertenço ao dos outros... Costumo dizer que há uma solidão inerente ao ser humano que se consubstancia na individualidade que quer queiramos quer não, nos marca.
Um abraço
Que é isso Carolina?!!!
Eu, só fiz o que fiz (tão pouco), baseada nessa tua citação inicial.
Isto também é um esclarecimento!
(^_^)
Olá Gigia.
Ainda bem que gostaste.
Foi a Carolina que começou a parte inicial, depois eu terminei.
Está um texto reduzido mas também me agradou ter participado.
Temos mais!
Esta foi uma ideia da Carolina. Juntámo-nos umas quantas pessoas no Verão e decidimos dar largas a este pequeno projecto.
- Queres experimentar?!
Beijinho para ti ;)
Olá Juja!
É bom ter-te aqui.
Esta tua "avaliação", é melhor que a de qualquer júri...!
De vez em quando todos temos o direito a uma "fuga", num acto de recolhimento, só nosso.
É uma necessidade inerente ao ser humano.
Abraço apertado^_^)
Também é muito bonita a canção.
Hum...Hum...
;)
Quando é que a menina Carolina e a menina Teresinha param de andar a empurrar de uma para a outra quem fez e quem não fez e o que é que fez ?!Tontas, tolinhas, crianças! É belo, é magnífico não só a maneira como escreve como a empatia que exite entre vós! E ainda por cima o Mia dá azo a tanto...Gostei mas fiquei com água na boca, queria mais, queria o resto...
Já repararam que já ãssino com o meu nome? Foi "milagre" da Teresinha!!!!
A menina Carol já ouviu aquele CD?
Está lá esta música, sabia?!!!...
Estás a ver Lena?!
Facílimo!
Grata pelo teu sempre amável comentário.
Beijinho :)
Desculpem a repetição mas eu tenho mesmo que dizer: Eu adoro o Mia Couto e... adoro-vos a vocês!!!!
Vamos ao Jazz?
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