[...] Estávamos na charneira dos anos sessenta com a década de setenta e, nesse domingo de manhã circulávamos pelas avenidas e ruas desertas de Istambul. O meu pai explicava-me que a melhor coisa na vida era a pessoa comportar-se como lhe apetecia, que o dinheiro não era um fim em si mas um meio que devia utilizar-se se isso contribuísse para o prazer da vida, falava-me dos poemas que tinha escrito e dos de Valéry que traduzira para turco no seu hotel de Paris quando nos abandonara , e, num tom alegre, contava como alguns anos mais tarde, numa viagem à América, lhe tinham roubado precisamente a mala onde guardava todos esses poemas e traduções. Esses relatos do meu pai - e também a história de como, nos anos cinquenta, via Jean-Paul Sartre nas ruas de Paris, e a da construção da residência Pamuk ou ainda a de uma das suas primeiras falências - eram feitos de maneira desordenada, saltando de um assunto para o outro em simetria com a disposição das ruas por onde passávamos ou a compasso da música que ouvíamos. Eu sabia, que nunca mais esqueceria a história que ia contar-me ao mesmo tempo que me chamava a atenção para a beleza da paisagem e para as lindas mulheres que caminhavam nos passeios, enquanto eu olhava através do pára-brisas para as imagens cinzentas da Istambul invernal. Observava os carros que atravessavam a ponte de Galata, as ruas estreitas dos bairros populares com enfiadas de casas de madeira ainda de pé, ou a pequena chaminé de um rebocador que singrava no Bósforo puxando barcaças carregadas de carvão. Ouvia atentamente os conselhos do meu pai. [...] Eu tinha a sensação que se operava uma simbiose entre o que via e o que ouvia. Ao fim de algum tempo, a música, as imagens de Istambul desfilando através dos vidros, os passeios e as ruas de pedra por onde o meu pai metia dizendo «vamos por aqui?» sem esperar pela minha resposta [...] Notava também outra coisa, tão importante como essas dificuldades: pensando nelas, precisamente, ou procurando o rasto da felicidade e da profundidade da vida, vemos pelo vidro do carro, da janela de casa ou do barco em que se atravessa o Bósforo, imagens que acompanham o nosso pensamento. Isso é muito importante porque, com o tempo, a vida, uma melodia, um quadro ou um conto conhecerá altos e baixos, ao passo que as imagens da cidade que passam diante dos nossos olhos, mesmo anos mais tarde, conservarão para sempre a frescura e ficarão em nós como a lembrança de um sonho[...]
Ohran Pamuk / Istambul Memórias de Uma Cidade
6 comentários:
"Istambul Memórias de um Verão"
2005!?... Lembras-te?
Deve ser bonito esse livro a avaliar pelo que li.
Unforgettable,é sempre bom ouvir
Beijocas
Gostei de ler este conto é pouco, mas é interessante, um beijo.
Se me lembro!
Gostaria até de voltar!
Vou procurar as fotografias (que são centenas!!!) e, vou trazer aqui algumas.
"Some people are, Unforgettable"...
Este não é um Conto, Zé!
É um pequeno extracto da vida de Ohran Pamuk, na sua cidade que é Istambul!
;))
Olá, Teresinha!
Obrigada pela sua visitinha.
Também tenho andado demasiadso ocupada. A escola está infernal... Ah, se não fossem os alunos que tudo merecem e ainda me dão alegrias e motivações!!!!
De resto, o ambiente é insuportável, os horários sobrecarregadíssimos, as solicitações excessivas...
Mas o que me vale é ter sempre o meu blog, onde posso evadir-me, bem como o de alguns amigos, como o seu! Aqui viagei por Istambul, uma cidade que ainda não visitei, mas que muito me fascina.
Belo texto. Até sempre!
Eu entendo o seu "desencanto", Fátima!
Sem dúvida, não deve ser fácil.
É uma grande provação, aquela a que estão sujeitos os professores.
Mas gostei muito de uma sua frase que me diz, TUDO!
-« Ah, se não fossem os alunos que tudo merecem e ainda me dão alegrias e motivações»!!!
- O ensino, na minha maneira de pensar, é quase um sacerdócio!
Por isso, nem todos estão preparados para ultrapassar, as turbulências que desde há muito se instalaram. Até quando?!...
- Coragem!
-Entretanto espero as suas evasões em (Banalidades), gosto muito de as ler!
- Se ainda não foi a Istambul aconselho-a a ir pensando nisso, é uma cidade, fascinante!
Pense nisso Fátima, entretanto veja e oiça o vídeo da minha postagem de hoje, penso que vai gostar.
Um beijinho para si, e, FORÇA!!!
Enviar um comentário