"Quem perde a esperança foge. Quem perde a confiança esconde-se. E ele queria as duas coisas: fugir e esconder-se." (Do livro "Jesusalém de Mia Couto) *
Acabou de ler a frase. Pousou o livro, apoiou o cotovelo na mesa, coçou o queixo e sorriu com ironia.
Assentava-lhe bem aquela frase. Parecia até dirigida a si próprio e à sua vida.
Que vida, afinal?
Não queria pensar. Com uma estranha indolência, correu a persiana da janela e fechou as cortinas. Colocou uma das suas músicas preferidas a tocar, recostou-se no sofá, pôs os auscultadores nos ouvidos e ficou ali, "escondido", tentando esgotar por completo o seu tempo.
- Que tempo?
- O seu tempo!
- Porque o outro, o tempo dos outros, estava lá fora. Fora daquela sala, transformada instantâneamente no seu refúgio, para onde podia sempre viajar, deixando as malas e os roteiros turísticos do outro lado da vida, que não a sua.
Ali, prosseguia Bach, «Concerto nº3 em Sol Maior».
Através de uma luz ténue, vinda do aquário ao canto da sala, vislumbrava uma dança infindável, interpretada por peixes cor-de-laranja que o habitavam, como se do mar se tratasse.
Embora esse espaço lhe parecesse exíguo, era na verdade, suficiente para eles pensava, enquanto que - o seu espaço - que era só dele, lhe proporcionava o perfeito esconderijo e a fuga de si próprio.
Sem qualquer força anímica que o despertasse pois limitava-se apenas a ouvir a música, disse de si para si: quero ficar; não ver o tempo passar; esconder-me e fugir para dentro de mim...
*
"Escritas de Verão" (partilhadas)
Texto/Carolina e Teresinha - fotografia/Teresinha (Oceanário de Lisboa)