segunda-feira, setembro 22, 2008

Calmo Outono...

Humilde é o Outono
como os lenhadores.
Difícil é arrancar
todas as folhas
de todas as árvores
de todos os países.
A Primavera
coseu-as voando
e agora
há que deixá-las
cair como se fossem
pássaros amarelos.
Não é fácil.
É preciso tempo,
percorrer todos os caminhos
falar línguas,
sueco,
português,
falar em língua vermelha,
em língua verde.
Há que emudecer todos os idiomas
e em todas as partes,
sempre,
deixar cair
cair
deixar cair as folhas.
Difícil
é
Ser Outono.

Pablo Neruda / Odes Elementares - Fotografia/ Teresinha

sábado, setembro 06, 2008

(Des)encontro

[...]
-Que alívio, afinal tudo não passou de um pesadelo! Senti um forte arrepio, a tarde caía e nuvens negras ao longe tapavam o sol que, de quando em quando teimava em aparecer. Levantei-me ainda um pouco cambaleante, desci quase à rebentação das ondas que me salpicavam com força trazidas pelo vento. Tão absorto, nem tinha reparado que começara a cair uma chuva miudinha. Pouco a pouco engrossou de tal modo que tive de correr e abrigar-me no bar da praia.
- Já vai fechar?
- Sim, é já um pouco tarde e com este tempo...
Acelerei o passo até ao carro. -Passo pela Quinta, com este temporal, nunca se sabe. Ao chegar deparei-me com o portão aberto. - Vou ver as rolas. Será que a mãe deixou os "pequeninos" sós novamente? A minha suspeita confirmou-se. Ela rejeitou as rolinhas, mais uma vez não estava no ninho. Peguei neles, embrulhei-os cuidadosamente num lenço e coloquei-os no bolso do casaco até encontrar uma solução. Não vão resistir, pensei. Procurei um conta-gotas, instilei duas gotinhas de água nos biquinhos sequiosos, esmaguei um pouco de pão com leite e dei-lhes no bico. Preparei um ninho com um cachecol e coloquei-os dentro de uma pequena cesta. Eram três! E agora? Sentei-me ali a observar. - Sossegaram... Enquanto olhava aqueles seres indefesos constatei que a carta entretanto caira no chão. Peguei nela novamente. Desdobrei-a, li, reli, voltei a ler... Aproximei-me da janela, a chuva continuava a cair incessantemente. Tomei a decisão! Rasguei a carta em pedaços, abri a janela e deixei que voasse levada pelo vento e pela chuva forte, que me inundou a face e os braços. Fechei os olhos e fiquei ali parado. Ao mesmo tempo reconhecia o fim de um pesadelo e recuperava as minhas forças. Era o início de um ciclo, deixando-me de "alma lavada"...
-«Que fazes de janela aberta, com este temporal»?
-O meu coração, quase parou. -Não te senti chegar!...

"Canto das Letras" - Contos Partilhados /Teresinha
Fotografia/Teresinha