terça-feira, janeiro 29, 2008

Saída para a Índia

Estas sentenças tais o velho honrado
Vocifrando estava, quando abrimos
As asas ao sereno e sossegado
Vento, e do porto amado nos partimos.
E, como é já mar costume usado,
A vela desfraldando, o céu ferimos,
Dizendo: «Boa viagem!» Logo o vento
Nos troncos fez o usado movimento.
[...]
Já a vista, pouco a pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam.
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam.
E já depois que toda se escondeu.
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.
[...]
Luís Vaz de Camões / Os Lusíadas (Canto Quinto) - Fotografia / Teresinha, Torre de Belém

terça-feira, janeiro 22, 2008

Rosas

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?
[...]
Fernando Pessoa / Novas Poesias Inéditas - Fotografia/ Rosa Chá

quinta-feira, janeiro 17, 2008

"SE"

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, ou pretensioso;
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires;
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratares da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;
Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";
Se és capaz de , entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao mínimo fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais - tu serás um homem, ó meu filho!
Rudyard KIPLING - Tradução de Guilherme de Almeida
Recebido por email de Helena Almeida - Fotografia /Teresinha (Monte do Paio)

segunda-feira, janeiro 14, 2008

PRECE

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
***
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento repetido
Como o florir das ondas ordenadas
***
Sophia M. Bbreyner / Antologia Mar - Fotografia Carlos Porfírio
(Mais uma etapa para ultrapassar com sucesso! E o apoio incondicional de todos /as, que te querem bem, e desejam que , esse sorriso confiante se mantenha no teu rosto , Zé)!...

sexta-feira, janeiro 11, 2008

O Tumulto das Ondas

No dia seguinte de manhã, Shinji subiu ao barco do mestre como de costume e partiu para a pesca. Na água reflectia-se a cor branca do céu matinal tenuemente encoberto.
Era preciso cerca de uma hora para chegar ao pesqueiro. Shinji vestia um avental de borracha negra que, partia do peito do casaco e lhe descia até ao rebordo das botas, também de borracha, que lhe chegavam aos joelhos. Muito direito à proa do barco, e de olhar fixo no destino a que se dirigiam, um ponto longínquo lá ao longe no Pacífico, sob o céu cor de cinza, pensava o que vivera na tarde anterior, entre o momento em que partira para o farol e a hora a que se deitara.
A mãe e o irmão de Shinji haviam esperado o seu regresso na salinha debilmente iluminada por um candeeiro suspenso sobre o forno da cozinha. Este irmão mais novo tinha apenas doze anos.
- O faroleiro ficou contente?
- Ficou sim. « Entra lá, entra» - disse-me ele e ofereceu-me de beber daquela bebida a que se chama cacau.
- Cacau? Que é isso?
- É uma bebida estrangeira. [...]
De manhã, não lhe passara ainda o estranho mau estar. Mas o vasto oceano estendia-se, infinito, diante da proa . À vista do mar, a energia necessária do trabalho quotidiano e familiar invadiu todo o seu corpo e, sem querer dar por isso, o rapaz reencontrou a paz de espírito. O barco vibrava com o leve tossicar do motor. O vento austero da manhã fustigava a face do jovem. Lá no cimo da falésia, do lado direito, a luz do farol já se apagara. [...]

O Tumulto das Ondas / Yukio Mishima - Fotografia Teresinha

segunda-feira, janeiro 07, 2008

SORRISO

Um sorriso é grátis e rende muito
Enriquece quem o recebe
E quem o dá
Dura somente um instante,
Mas a sua recordação é quase eterna.
Ninguém é tão rico que o possa dispensar.
Ninguém é tão pobre para dar um sorriso.
Cria felicidade no lar;
É sustento no trabalho;
E é um bonito sinal de amizade.
Um sorriso representa repouso no cansaço;
Coragem no desânimo;
Consolo na tristeza;
Alívio na angústia.
Mas é um bem que se ganha sem comprar,
Nem emprestar,
Tem valor no instante em que se dá,
E sempre que se lembrar .
Se encontrar, por acaso,
Aguém que se recusa a dar um sorriso,
Seja generoso em dar-lhe o seu,
Pois ninguém necessita tanto de um sorriso,
Como aquele que se recusa a dá-lo aos demais.

Texto - Celina Ferreira - Fotografia (por-dizer/ blogue)

domingo, janeiro 06, 2008

Os Reis Magos


Esta noite, que ilusão, a dos meninos, Platero! Não era possível deitá-los. Por fim, lá se foram rendendo ao sono, um, numa poltrona, outro, no chão, Branca, ao pé da chaminé numa cadeira baixa, o Pepe no poial da janela, de cabeça encostada às ferragens da porta, não fossem passar os Reis... E agora, no fundo deste aparte da vida, sente-se como que um grande coração pleno e salutar, o sonho de todos, vivo e mágico.
Antes da ceia, subi com eles todos. Que alvoroço pela escada, tão assustadora nas outras noites! - Eu não tenho medo de subir Pepe, e tu?, dizia a Branca com a mão muito apertada na minha. - E pusemos na varanda, entre as cidras, os sapatos de todos. Agora Platero, vamos vestir-nos, o Montemayor, a tia, a Maria Teresa, a Lolilla, o Perico, tu e eu, com colchas, lençóis e chapéus antigos. E à meia-noite vamos passar diante da janela dos meninos, num cortejo de disfarces e de luzes, tocando com almofarizes, em cornetas e no búzio que está no quarto do fundo. Tu vais à frente comigo, que serei o Gaspar, com umas barbas brancas de estopa, e hás-de levar como avental, a bandeira, que trouxe da casa do meu tio, o cônsul... Os meninos acordados em sobressalto, ainda agarrados ao sono, com os olhos enfeitiçados, vão aproximar-se dos vidros em camisa, receosos e maravilhados . Depois continuaremos no seu sono por toda a madrugada e amanhã, quando já tarde os deslumbrar o sol pelas portadas, subirão meio vestidos à varanda, e serão donos de todo o tesouro.No ano passado rimo-nos muito. Vais ver como nos vamos divertir esta noite, Platero!

Juan Ramón Jiménez - Platero e Eu
(Juan Jiménez nasceu na Andaluzia. Publicou aos 18 anos os seus dois primeiros livros de poemas. Ensinou Literatura Espanhola em Porto Rico, Nova Iorque e em Cuba. Em 1956, a Academia Sueca atribui-lhe o Prémio Nobel da Literatura).

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Sacode as Nuvens

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que tu
[respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de Mello Breyner /Obra Poética I - Fotografia/Teresinha